1 de maio de 2013

Levantar-se

Somos dos que se levantam sempre, por mais fundo o fundo. Temos garras para escalar e trazemos a vida presa nos dentes. Quando nos espalhamos por terra, ainda a lambemos com a língua toda e, estendidos no solo, ocorre-nos com exultação, Estamos deitados sobre a Terra e abraçamo-la! E a nossa consciência, nesse momento, como que se eleva em amplitude à esférica atmosfera, passando depois em distensão a todo o Universo, ad infinitum. E por essa via deixamos de ser só nós, para sermos mais além. Andamos às tantas a saltar de estrela em estrela, a brincar de orbe em orbe. Sem sabermos o nome de nada, internamos todas as coisas, certos de que é assim para cada um de nós. Depois, quando voltamos a nós, nunca voltamos só a nós. Levantando-nos do chão estendido, prosseguimos pé ante pé, olhando sobre o ombro com desapego e amor. Tão-pouco nos sacudimos do pó. É parte de nós. Trazemos agora menos um dente, verdade. Mas azar, sempre ficamos com mais espaço.



To Rise Up


We are those who will always rise up, no matter how deep the deep. We have claws to climb and, with our teeth, we seize life. When we fall to the ground, we lick it with the entire tongue and, while streched out, it occurs to us with exultation, We are lying upon the Earth, embrancing it! And it is as if, in this moment, our consciousness billows into the amplitude of the spherical atmosphere, distending then to the whole Universe, ad infinitum. Thus, we cease being just a self and rather expand into further more. Suddenly, we find ourselves leaping from star to star, bouncing from orb to orb. Unaware of names we penetrate everything, sure that this is such for each of us. Upon return to our self, we return not solely to our self. Rising up from the stretched soil, we proceed step by step, looking with nonchalance and love over the shoulder. We even neglect to shake off the dust. It's part of us. We come bearing one tooth less, it's true. Too bad though, we always gain more space.



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AVISO


Queria levantar-me da cama de forma a aproveitar o sol ao máximo do tempo que ele pode ser aproveitado, que é desde que ele nasce até que ele morre, e assim todos os dias, desde quando nascesse até que morresse. Mas a vida não andava bem, apesar de a vida ser sempre a mesma. São as disposições que dispõem a disposição da vida, que não é da vida mas nossa, porque a vida anda sempre igual a si própria, só as disposições, portanto, é que variam. E a minha disposição andava avariada. Encontrei um conhecido na rua que me disse que andava como eu, avariado, e que tinha um conhecido que andava como nós, e que esse tinha um amigo que, também andando assim, conhecia um outro que também não andava lá muito bem, e que essoutro sabia outrossim de um outro que conhecia um outro que conhecia um outro que conhecia um outro e, por serem tantos a andar assim, ainda nos demorámos ali na conversa durante algum tempo, pelo que o tempo máximo para aproveitar o sol era já mínimo, e lá se ia mais um dia. Ainda podia aproveitar a noite, pensei, mas estava tão cansado do dia desaproveitado que me fui deitar. Durante a noite que dormi, sonhei com um pensamento,


Muda o que está mal!


WARNING

I wanted to get up from bed to enjoy the sun as much as possible, since it rises until it sets, and so every day, since the rising until the setting. But life wasn't all right, even though life is always the same. Only moods can change the mood of life which is not life's mood to be had, but ours. Life is always reflective of itself, equal to itself, only moods therefore vary. And here, my mood was broken. I found someone I knew in the street and he told me he was feeling like me, broken, and that he knew someone that was feeling just like us and that this someone had a friend that, feeling quite like us, also knew someone else that wans't whole either, and that this friend of this someone knew someone else that knew someone else that knew someone else that knew someone else and, for there were so many feeling this way, our conversation kept us lingering on chatting for a while, until nothing was left of the sun and another day had passed. I could enjoy the night, I thought, but I was so drained from the wasted day that I went to bed. During the night, asleep, I dreamt a thought,



Change what's wrong!
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Treva Universal

Quero ir brincar para a praia à noite quando a espuma de uma ondulação pequena fosforesça de uma lua acesa sobre a paisagem, lasciva, ingénua, propositada. Quero ir brincar contigo sejas tu quem fores. Se fores tu quem lá estiver — sejas tu quem fores — será contigo com quem hei-de brincar. Se fores tu — sendo tu quem és — ainda melhor.

Brincaríamos nessa noite sem ciência nenhuma. Neófitos sencientes. Libertaríamos risos insanáveis de tão livres e ignorantes. Nem nos incomodaria a areia que se haveria de entranhar em nossos orifícios, antes riríamos na insciência irrevocável do nosso estar simplesmente ali. Seríamos a própria areia: cada grão ridente de luar. Uma celebração sem o sabermos — nada mais cognoscível.

Nada mais cognoscível — não saber nada!

No fim, eu dentro de ti e tu me cobrindo, que é estar dentro e fora de tudo, que é estar dentro e fora de nada. Inidentificáveis, insondáveis. Como o próprio Cosmos. Abstracção concreta. Sendo o que imanentemente somos: treva universal. 



Universal Darkness

I want to play on a beach at night when the foam of a small undulation appears phosphorescent of the brightly lit moon hovering above the landscape, lascivious, naive, willful. I want to play with whoever you are. If it's you who is there — whoever you are — it'll be you I'll play with. If it were you — being you who you are — all the better.

Unaware, we would play into the night. Sentient neophytes. Free and ignorant, we would release untamed laughter. We wouldn't even be bothered by the sand that encroached our orifices. Rather we would laugh at the irrevocable nescience of our mere being there. We would be the sand itself: each cheerfully moonlit grain. A celebration without knowing it — nothing more cognizable.

Nothing more cognizable — not to know a thing!

In the end, me inside you and you wrapping me, inside and outside of everything, inside and outside of nothing. Unidentifiable, unfathomable. As Cosmos itself. Concrete abstraction. Being what we immanently are: universal darkness.





English version: Tiago Rosa
Proofreading: Faye Mullen