16 de setembro de 2014

Christianshavns Kanal


A gentil chuva caía no canal como se no breu da estrada, asfalto feito água, entre as sombras da luz parca que os candeeiros derramavam, passas e tragos. As ruas estavam desertas e não levavam a lado nenhum. Where there's no one, you can never feel lost. Tudo plenamente inserto no momento. Nada era para além dele. Como se o momento incluísse todos os outros como os barcos alinhados nas margens do estreito canal. O enlevo praticava o equilíbrio na noite alta e líquida, densa, suave, que escorregava do céu para a cidade confortando-a de silêncio escuro. Não só a cidade mas o mundo, a existência toda. Chovia noite sobre tudo. It seems this is a balanced town... A cascata do Universo caía ternamente e tudo ternamente caía. O som aveludado das bátegas sobre a superfície indistinta do aquoso asfalto do canal fazia inexplicavelmente sentido. Depois, os rios das ruas voaram-me carinhosamente dali.

21 de abril de 2014

Das Interdependências


É preciso ter em atenção
Que eu podia ser melhor do que o que sou
Se as pessoas com quem me dou
Fossem melhores do que o que são.


                               2010

24 de fevereiro de 2014

Sol


Esta noite sonhei com o Sol e tive uma iluminação quando ele me disse: «Eu acredito em Ti.»

A Rosa Amarela iluminava-me e eu estava ali, existindo de luz. E através da luz, rodeado de mundo, uníamo-nos, eu e o mundo. E no mundo, apesar da distância que nos separava — a mim de ti — também tu lá estavas. Separados sim no mesmo mundo — tu no teu corpo, eu no meu — mas sob o claro reconhecimento do mesmo signo solar. Ambos descêramos dele, dependurados nos seus raios, substanciados deles, para virmos fazer na Terra a luz etérea com que ele nos insuflou de espírito, para que nos elevássemos de amanhecer e disséssemos, já com a voz que nos é própria, Eu acredito em mim.







This text is part of the artistic photobook named "Blumen" (Flowers, in German), by the photographer Irene Cruz, presently living and working in Berlin. She invited me, without knowing me personally or even being able to guess what to expect from me as a writer, to even so create a poem in Portuguese (language wasn't also a barrier, as she saw it) to be part of the said work. The process went the same with the other writers/poets partaking the project. Each one - from several nationalities - writing under the influence of two or three of her photos, which, all together, coumpounds the photobook. My series was called "Sol". This was precisely Irene's idea: to risk. I accepted the risk as well and, three days later, the text above was given birth. The book is ready and can soon be acquired via internet.