31 de janeiro de 2009

desenho 2

tiago r

26 de janeiro de 2009

PROJECÇÃO: ESTUPIDEZ


Eles viram-se. Já não se viam há anos. E correram um para o outro a gritar Aaaaaah e saltaram e abraçaram-se. Abraçaram-se fortemente, em várias investidas até, na tentativa de se abraçarem melhor, isto é, com mais força. E à medida que o faziam iam dando pequenas pancadas com os braços nas costas um do outro, ainda na insistente tentativa de recuperação de abraço após abraço, ao mesmo tempo que ganiam no cio do reencontro. E as pancadinhas passaram a pancadas, aumentando-lhes sempre mais a potência, pelo que passaram a grandes pancadas, fortes, fortes! — e eram já murros. Murríssimos! Matavam-se, matavam-se naquele abraço ébrio, no apreço estúpido de quando se é estúpido. Um já lhe ia aos rins, murros nos rins do amigo, enquanto o outro lhe dava amplexos brutos na cabeça e socos no pescoço. Surgiram murros no estômago. Fodiam-se todos um ao outro mas sem nunca serem infiéis ao abraço que davam. Joelhadas. Murro nos queixos: um bocado de língua voa até à gravilha que libertava um pó esbranquiçado ao sabor da violenta amizade que se estava descomprimidamente a processar. Entretanto, na bulha completa, ambos sacam de uma faca afiada e espetam-na cada um no pescoço do outro, ao mesmo tempo. Largam-se e agarram-se à lesa novidade. Caem. E morrem. Felizes de morrer.

Depois o pó assentou.

24 de janeiro de 2009

Da Amizade


tu és esta terra toda
e circular,
em que eu ando e caminho,
em que eu me deito,
em que eu vivo e existo.
és como a extensão de mim.
como o Céu o é da Terra,
o Universo o é da Vida
e Deus o é do Homem.
do mesmo modo que
eu
o sou
de ti.

ser

sou só o que sou e o que vou sendo. nunca um fim. quando eu morrer, hei-de continuar, noutras mentes, entre outros átomos.

22 de janeiro de 2009

Sou de facto o Diabo


«As minha melhores criações ― o luar e a ironia.»
«Não são coisas muito parecidas...»
«Não, porque eu não sou parecido comigo mesmo. Esse vício é a minha virtude. É por isso que sou o Diabo.»

F. Pessoa, A Hora do Diabo, Assírio & Alvim

21 de janeiro de 2009

19 de janeiro de 2009

Da dor como processo para o Melhoramento

A dor sobe do estômago de volta à boca. Rumino-a demoradamente. Amo-te. Palavra precisa e boa. Preciso. Onde estão os dias dionisíacos que a imaginação tanto parece prometer? Poderia dizer É irónica. Mas, na verdade, ironia é haver realidade. Rumino-a impacientemente. E tu nem me ouves. Amo-te. Porque é ainda em silêncio que to digo. Não tardará: hei-de abrir a voz e o alívio.

Ânsia

A ânsia é uma planta carnívora.
Em sendo regada,
Devorar-nos-á.

16 de janeiro de 2009

?

Sinto-me cansado e concluo que só pode dever-se a uma coisa: ao peso dos óculos sobre as orelhas e a cana do nariz.

Escrever.

Escrever é a minha forma de não explodir.

3 de janeiro de 2009

Sou de facto o Diabo


«Dato do princípio do mundo, e desde então tenho sido sempre um ironista. Ora, como deve saber, todos os ironistas são inofensivos, excepto se querem usar da ironia para insinuar qualquer verdade. Ora eu nunca pretendi dizer a verdade a ninguém ― em parte porque de nada serve, e em parte porque a não conheço. Meu irmão mais velho, Deus todo poderoso, creio que também a não sabe. Isso, porém, são questões de família.»

F. Pessoa, A Hora do Diabo, Assírio & Alvim