5 de agosto de 2011


A consciência é
Não haver dentro e fora da Cabeça
Apenas o espaço que atravessa tudo
Como não haver
Dentro e fora do Universo
Apenas um espaço
                                                                           contínuo

8 de dezembro de 2010

Maria

Maria e a sua Frustração eram casadas há vinte anos. A Frustração passava o tempo sentada no sofá, depois do trabalho e aos fins-de-semana, à espera que Maria a chamasse para a mesa. Há vinte anos que era assim. Maria pensava, É melhor que estar sozinha. Há vinte anos o iterava, como sentida e silenciosa reza. Maria era uma mulher de índole fraca, cuja tramas dos séculos haviam tornado numa verdadeira ama da sua Frustração, a quem se dedicava sem questionar. Pouco conhecia da vida para além disso e jamais alguma vez havia nela reflectido com suficiente desapego, pois que sempre a tinham ensinado a pegar-se muito às coisas, para que não ficasse sozinha. Sempre a tinham ensinado que, sozinha, ela não tinha valor. Por vezes, Maria sentia muitas coisas estranhas, confusas e controversas em relação à sua vida e à sua pessoa, mas não as sabia compreender, muito menos gerir. Após esses curtos momentos de uma quase-consciência, não mais que sensível, acabava sempre, no momento potencialmente mais crucial, por reprimir tudo, e recidivamente tornava a si, à Maria, àquilo que haviam feito dela. A sua Frustração pouco lhe ligava, senão por interesse de algo, como a comida ou a roupa passada. Nas férias costumavam ir até à terra. A Frustração não sabia cozinhar, nem engomar, por isso se casara com Maria. Mas a Frustração sentia-se frustrada e, por proximidade, costumava descarregar sobre Maria. A verdade é que a Frustração também havia sido, desde pequena, encaminhada para se vir a frustrar, pelo que era o que era. Apesar de tudo, Maria garantia-se, Assim estou segura. E julgava de facto estar. Para além do mais, tinha os filhos, frutos de duas noites de união com a sua Frustração, aos quais ia buscar a força para recalcar, sob o peso de fantasiosas projecções acerca da unidade familiar, a grande desilusão que a sua vida era. E assim ia conseguindo a força, ao longo dos anos, para se manter junto da sua Frustração, fiel, cansada e iludida, tal qual o preceito incumbia.

Certa tarde, quando menos esperava ― preparava-se ela para começar a fazer o jantar de todas as noites ―, a sua Frustração levantou-se do sofá e foi ao pé dela dizer-lhe que se ia embora, para nunca mais voltar! Estava farta de ser frustrada! Maria não queria acreditar no que ouvia. Ficou atónita. Não queria crer que estivesse realmente livre da sua Frustração, depois de todo o esforço e empenho de uma vida. Os olhos de Maria inundaram-se de lágrimas, o rosto em choque. Não estava preparada para todo aquele alívio que lhe escorria em bica pelas faces, que ela nem podia entender como tal. Para ela, não mais que desgosto e ignomínia.

Desse ponto em diante, passou o resto da vida sozinha. Não conseguira conceber estar com mais ninguém para além de quem tinha servido. No rosto, um perene ar de tristeza, de quem nunca conseguira perceber por que tinha sido deixada, ela, a maior empreendedora da sua Frustração! Depois de uma vida inteira à sua sombra, não suportava agora a luz clara do alívio. Nunca conseguira aceitar que estava livre. Mas enfim, sempre tinha as recordações, a sua família (que só então começara a sentir pena) e os rebentos da sua Frustração.

23 de outubro de 2010

Espéculo


Vim de onde ainda não era, sem nada vestido. De um sítio desconhecido, que tão-pouco é sítio. Donde vim, nem o sítio nem eu éramos. Agora, neste sítio que é, onde me encontro, já sou, como o sítio. Daqui a algum tempo, depois de por aqui ter passado, regressarei ao não-ser. Mas ao a seguir, que será igual. Mas eu, diferente: irei vestido. Pois ainda hão-de haver pessoas que me quererão ao seu nível, ignorando o facto de que, por essa altura, tão-pouco já me aguentarei em pé.

31 de agosto de 2010

Ego sum qui sum


Tu que me vês daí, aqui sentado sobre a esbatida, húmida e dura areia, molhado, torrefeito pelo teu Sol. Contemplo-te sem perguntas porque não as há, não as pode haver: no-las deste sem a hipótese de no-las responder. Há perguntas. Mas uma pergunta só é válida quando a resposta não é de natureza írrita, impossível. 

Existes na minha cabeça porque te penso. Eu existo como se me tivesses pensado. Porém parece-me que não te sei como tu a mim. Contudo ainda, imagino que me dizes: «Tens-me frente aos olhos e insistes em não me ver.»

Entendo-te sem te compreender (se bem que às vezes te compreenda mas te não entenda). Mas eu percebo que não me possas falar. Eu percebo que não hajas o que dizer. Também eu não falo contigo mas Comigo sobre ti. 

Tu — és um mágico que me encanta, e não és senão o Encanto que desse mágico emana.

21 de agosto de 2010

(s/ título)


Caminhava pelo passeio que beirava uma estrada preta e onde, sentado no lancil, um pequeno chorava.

«Por que choras?» 
Olhou-me rosto molhado. 
«Por causa da confusão.» 
«Que confusão?» 
«Se a pudesse dizer não era confusão.» 
Continuou a verter lágrimas e eu prossegui passeio fora. 

(Há que saber abandonar).

11 de agosto de 2010

Sou de facto o Diabo


Sou o eterno Diferente, o eterno Adiado, o Supérfluo do Abismo. Fiquei fora da Criação. Sou o Deus dos mundos que foram antes do Mundo - os reis de Edom que reinaram mal antes de Israel. A minha presença neste universo é a de quem não foi convidado. Trago comigo memórias de coisas que não chegaram a ser mas que estiveram para ser.


A Hora do Diabo, F. Pessoa, Assírio & Alvim

18 de junho de 2010

Incipit Saramago




Saramago foi um homem que se conseguiu, que se ganhou. Nem a sua morte se pode considerar uma perda porque tudo o que vem dele é só ganho; com os seus eventuais defeitos e qualidades, felizmente. A sua morte só traz perda na medida em que concede uma maior consciência de que o mal da inconsciência vai perdurando. Isto sim, é de pesar. Saramago está em nós. É força ubíqua. Lê-lo, ouvi-lo, pensá-lo, fazê-lo é ganhar. Saramago é uma parte da construção de que, enquanto humanos dignos (se alguma vez o decidirmos ser), precisamos. Se agora somos nós que o somos ― a sua memória ―, então Saramago (re)começa hoje.



18 Junho 2010

3 de junho de 2010

20 de janeiro de 2010

Desiderato (ou: meu deus!)


Meu deus. Que íntimo envolvimento tenho com a figura feminina, que vontade de envolver esses seres de olhos de dádiva e formas de duna. Como me dá para as querer abraçar, fruir, penetrar. Sinto ternura a cada movimento corporal seu, a cada sensação que expressam só no corpo.

Mas como é quase estranho sentir isto por todas. Pelas que vejo que me aprazem. Ah, como as envolveria a todas se pudesse, se houvesse como o fazer senão pelo modo que me é unicamente possível — nunca as envolver, ter só a vontade íntima de. 

Não tenho medo nenhum de amar. Só que me restrinjam o amor. Sinto amor só por ver, ao olhar. Por isso amo todos os dias, como quem vivesse mil vidas em muito pouco tempo, sem que as viva de facto senão a própria e o pessoal desejo impossível de viver as mil. 

Meu deus... Conhece-se tantas vidas e vê-se tantas mais...

Marraquexe: um exemplo. Estranha me apareceste, de tão cheia que te vi. Tão cheia ou foi só a chegada? Houve uma primeira comoção à chegada que iluminou a ideia com que para sempre ficarei de ti. 

Aproximei-me demasiado dos seus olhos. Do seu ténue sorriso que hesitava perante o meu não sorrir de todo. Não desviei porém o olhar. Tinha um corpo total, ao visível, de doçura, elegância natural: parcos seios-ternura sob o vestido curto e algo transparente de um amarelo esbatido. 

A sua pele luzia uma leve substância, um óleo, um suor próprio de quem fica de pé até de madrugada, no Verão. 

Foi aí que a vi. Na madrugada. 

Foi numa viela. Ia repugnantemente acompanhada por um vilipêndio qualquer que não quero descrever senão por quidam ascoroso, um daqueles erros a que não se pode aditar mais nada. 

Mas ela, no fundo, ia sozinha. Como sempre se está, no fundo. 

Quis tocar-lhe o corpo quando a vi. Tocar-lhe, tocar-lhe com as mãos, que é substanciar o que se tocou com os olhos. 

Toquei-lhe só com os olhos. E ela deixou. Tocou-me também assim. Deixei. Vinha vindo e me olhando e tocando com o olhar. (Interesseiramente, apenas? Não sei. Não interessa). Sorria-me quase imperceptivelmente, a ver se a ajudava e lhe sorria de volta para assim completar a construção labial que me queria erigir; mas eu, nem imperceptivelmente. Ela, contudo, manteve o leve sorriso nos lábios. 

Não sorri porque receei que me agarrasse. Que me prendesse. Ou que me repelisse. Mas, primeiro, que me atasse a si ainda mais do que aquando do primeiro vislumbre que tive do seu existir. 

Receei. Sou fácil e fraco no amor porque me enamoro de tudo o que é belo, exposto. 

Podia ter-lhe tocado. Ali mesmo, provavelmente. Na viela. Era uma prostituta. O seu corpo, novo como o meu.

Quis tê-la imediatamente. Desejei-a com a maior ternura. Quis cuidar dela, dar-lhe o rosto e fazer o dela sorrir. Sorrir seguramente. Sem ter de. Pois ela saberia que lhe estaria amando a ternura da sua existência. Quis trepar-lhe as pernas lindas, tão esbeltas e esguias, desnudas como os olhos que as olhavam. Perfeitas passaram, e transportavam sentido.

«Que estás aí a fazer», perpassou-me ainda o espírito, «nessa vida?»

Gostava de ter ficado com ela. Gostaria de a ter salvo do que quer que fosse. De nada. Nada se salva. Gostaria então de lhe ter abraçado a danação. De lhe ter penetrado nos olhos escuros, castanhos, e contemplado o sexo. Em seguida, o contrário.

Queria metê-la toda dentro da minha vida, como outros cá dentro se encontram.

Ah, e como era ela também vilipêndio. Toda ela — Marraquexe. Mas é só amar-lhe a existência, é só, e a salvo disso. Mas e como se encontra já salva dum juízo denigrativo, denegrido — salva do aspecto meramente social, flagelativamente cultural com que a eivam.

Sê livre em mim, que podes!

Trabalhas na profissão que o tempo há mais tempo sustenta, vendendo-te hoje ao mundo que por ti passe. Só eu te não compro. Eu pilhei o que o dinheiro não paga: que foi o amor indiscriminado. To reservo de graça. 

Meu deus! Como eras linda e mais qualquer coisa que foi desejar-te o todo que toda a decência ignora. 

Mas, impressionante, como senti todo o Marrocos bem mais vulgívago que tu, amor ignoto. Como se vendiam bem mais que tu. Quão mais vendidos! 

Penso-te. Tenho o prazer de te pensar. E é tudo. 

Ter a liberdade de um corpo solto, à distância de um olhar fito em um mamilo que quis ser entrevisto. Ter a liberdade desse desejo e o desejo dessa liberdade que o olhar fitou. És eterna e eternamente incorruptível em mim. Sopro puro da minha imaginação. Mancha etérea na minha percepção. Mancha-me! Vulgariza-me com a tua prostração prostituta! Quero ser ao teu nível. 

A minha vontade era ser amado pelos teus braços e sexo e rosto. 

Ah! passar-te os dedos por onde imagino passá-los... quereres-me como te quero, que seria deixares-me que te tivesse, não com propriedade, que isso paga-se, mas com enovelamento outrossim anímico, gratuito, somente à mercê da enoveladeira do amar natural. 

Beijar-te-ia. Ter-te-ia beijado se as coisas se tivessem eventualmente proporcionado como aqui as exauro. 

Mas podia ter-te sorrido. Podia ter sido mais fiel ao que agora escrevo. Um sorriso ténue, como o que me deste. Também, talvez o não tenha feito por a troca ocular me ter surpreendido ao ter sido mantida, sorridente, por ti, ao passares por mim, muito perto, lenta como a manhã. Era cedo. Pele de bronze pálido luzindo. O teu mamilo espiava-me por trás do leve tecido translúcido que o cobria e tu sabia-lo. 

Confesso que o que te amei mais foi todo o teu ser dadivoso. Oferecias-te-me. Não sei se com desejo, se com vontade, se por qualquer necessidade. Mas tal movimento labial que delineia um sorriso como o que vi, não pode ter declinado apenas de um mero e exclusivo interesse pecuniário. Nem me interessa a mim pensá-lo assim. Fazes agora parte do meu imaginário: realidade expandida. És o que eu fizer de ti. Não sou mau como o Homem que te faz só prostituta e te não sabe reinventar. Tem medo de ti, porque lhe mostras quem é, quem ele julga não ser. Eu, amar-te-ia. Existentemente com os olhos e mãos e sexo e corpo aos teus olhos e mãos e sexo e corpo. A minha mente amaria a tua. Tal como te amo agora, só por existires, te ter visto. Existentemente, que é o suficiente para te amar. Mas, ah… se tivesses sido mais tangível, substancialmente mais tangível... 

Quem me dera ter-te sorrido. Que pusilânime vontade, que teve medo de se patentear como a tua. Mesmo assim, mantiveste o teu sorriso, embora hesitante porque hesitei mas, como eu a ti, não deixaste de me olhar. Lembro-me: não desviei os olhos dos teus, ao passares por mim, perto, leve. Foi por não haver um interesse egoístico da minha parte, sabendo eu o que eras, que não sorri. Quis mostrar-te que te amei a existência, com o não te ter sorrido... Pareceu-me inadequado, na altura. Mas era só um sorriso. Havias de ter percebido. Talvez sejas simplesmente mais corajosa, e eu não esteja habituado a tal generosidade. Talvez por isso te não tenha conseguido acompanhar aí. Talvez só por isso. (E o quidam, que ao teu lado seguia a palrar, alienado e inane…) Mas admiro-te a coragem de te teres cravado assim na minha mente. Foi honesto. Não és nenhuma máquina: tens sentimentos; choras. Quem sabe o não estás fazendo agora — fios de prata sobre o teu ouro facial. Lamber-tos-ia até à fonte, lá depositando depois um ósculo, para que passasses a lacrimejar para dentro de mim, já outras lágrimas que não as de antes. E um novo movimento procederia do cerne da tua essência que, talvez murcha ou quase, rápido floresceria, por teres compreendido que eu percebera. Dar-me-ias então sorriso maior porque eu também. 

E, na fúria dos corpos desnudados. Sem princípios nem pudor. Sem nada, que é estar só nu. Sem interior complicado. Sendo o total amplexo do cosmos na unidade de dois corpos sobrepostos. Sendo: sendo: sendo. Etérea fúria de unidade cósmica. Qual mão gigante que côncava nos unisse. Livres! Livres de vós todos e de vossa Mãe, a Convenção! 

Meu deus!... Como jogo com a tua prostituição, a conduzo em meu e em teu favor. Como seguimos perfeitos no guiar lindo de uma estrada possivelmente impossível. Como nos guia a meretrícia, que libertinamente nos deixa ser como gostaríamos, como eu gostaria, pois tu és eu, recriada por mim em mim. Vens de fora: mas só poderei conceber-te como me é possível, como és dentro de mim, como te recreei, e nunca segundo a realidade limitada a que te reduziram o ser e a existência. Existes, existes realmente, mas és na realidade mais imprecisa do que no imaginário em que te refiz — onde dei asas ao sorriso que me deste. 

Sou criança ao recriar-te em devaneio enlevado. Sei poder percorrer todas as passagens que me dás a abrir. Afinal, és uma prostituta. 



Agosto de 2005, 
no autocarro que ia 
de Marraquexe a Essaouira.

18 de dezembro de 2009

Hamburg, Germany


Karolinenviertel (bairro Karolinen), Hamburg: 
an access to a part of the neighbourhood.



Rote Flora, in Sternschanze, Hamburg.
This old building was a theatre, built in 1888, one of the few resisting theatres to the II World War. Presently squatted already for 20 years by anti-capitalist and anti-nazi Autonomen. No State inside!

1 de novembro de 2009

31 de julho de 2009

Corto Maltese




― Ouve, amigo, não tenho nada contra corvos, mas vê se entendes, não posso andar por aí o dia todo contigo... O que dirão os outros?...
― Então, então, Corto, és mesmo tu quem fala assim? Croack... croack... Que importa o que dizem os outros? Croack... croack...

Corto Maltese, Sonho de Uma Manhã de Meados de Inverno, As Célticas, Hugo Pratt 


. . .


[...] segundo a lenda, Merlim foi encerrado por Viviana nas profundezas da floresta da Brocelândia: de vez em quando, Viviana permite-lhe sair para acudir os filhos dos celtas oprimidos e em perigo. Sim, algures, na misteriosa ilha de Avalon, o rei Artur jaz adormecido, velado pela sua irmã, a fada Morgana: um dia despertará para reunir o que resta dos celtas em todo o mundo, a fim de reconstruir o grande reino com que sonhara, reino de justiça, de fraternidade, de liberdade, reino que não existe mas que há-de vir. E Corto Maltese não é outro senão o profeta anunciador de Merlim e de Artur. 

Do Prefácio de Jean Markale a Corto Maltese, As Céltica, de Hugo Pratt

20 de julho de 2009

Sou de facto o Diabo

Pensamos, em geral, em termos da nossa sensibilidade, e por isso tudo se nos volve num problema do bem e do mal; há muito que eu mesmo sofro grandes calúnias por causa dessa interpretação. Parece não ter ainda ocorrido a ninguém que as relações entre as coisas ― supondo que haja coisas e relações ― são complicadas demais para que algum deus ou diabo as explique [...].

F. Pessoa, A Hora do Diabo, Assírio & Alvim

10 de julho de 2009

Piratas na Cinemateca


O primeiro filme foi o The Black Swan, de Henry King. Está a ser (e vai continuar, até ao fim deste mês) uma experiência interessante, revisitar as personagens (se não as mesmas, pelo menos da mesma categoria que dantes) de que gostava quando era pequeno e que ia vendo na televisão. Desde cedo me cativaram, como a muitos, decerto, estes marginais que o cinema, numa perspectiva muito romantizada, é certo (mas isso é o cinema), tratou de representar, entre toda a relevância e, creio, conformidade geográfica dos devidos e atraentes cenários.

A par disto, todo o espaço da Cinemateca de Lisboa é extremamente aprazível e bem aproveitado. Esta temporada de pirataria, que começou este mês a invadir o sítio, tem lugar na esplanada do espaço em questão, o que, com o aproximar do calor, é ideia perfeitamente conivente com a temática dos filmes (sendo que de igual modo proporcionam imagens quentes, arejadas, estivais).

O lado técnico também é favorecedor. A larga tela de projecção da esplanada da Cinemateca, que precede o filme erguendo-se lentamente e com relativa majestade de debaixo do solo, e que lembra um pouco o monólito do 2001, Odisseia no Espaço, só que branca e horizontal, é de facto um momento interessante; e outrossim o poderá ser para quem essa imagem do 2001 tenha deixado impressão, mais ainda se se fizerem o favor de evocar, por paródia, o famoso e vital tema de abertura do poema sinfónico Also Sprach Zarathustra, de Richard Strauss (ainda que sejam outras ― todavia com aquela relacionadas ― as cenas do 2001 que esse tema ilustra).

Fica assim pago, à guisa de simples anúncio, o meu tributo à bela e instrutiva Cinemateca de Lisboa, e aos Piratas de sempre! 


Yo ho ho and a bottle of rum!

7 de julho de 2009

«Não entra ninguém na Antígona
 por via do espectáculo e da falsificação da vida.»
Fundada em Junho de 1979, a editora Antígona iniciou a sua actividade com a publicação do livro Declaração de Guerra às Forças Armadas e Outros Aparelhos Repressivos do Estado. Esta obra emblemática anunciava já o programa editorial que se tem vindo a concretizar, sem desvios, ao longo de 30 anos. Hoje, com cerca de 200 títulos, a Antígona mantém a sua paixão inicial pelos textos subversivos, e vai continuar, ainda por muito tempo, a empurrar as palavras contra a ordem dominante do mundo. Com um capital social de «enquanto existir dinheiro, nunca haverá bastante para todos», esta editora tem sobrevivido a todas as crises, adaptando o seu capital variável a cada momento. Refractária, resiste à acção do fogo, sem mudar de direcção. No plano da edição, foi pioneira na forma como valorizou o trabalho do tradutor, dando-lhe força de autor ao colocar o seu nome na capa dos livros, um exemplo que não tem sido seguido por outras editoras. Dos autores publicados, cerca de 150, a maioria era desconhecida do público português, dos quais destacamos: Laurence Sterne, Max Aub, Eudora Welty, Anselm Jappe, Lewis Mumford, Albert Cossery, Bartolomé de Las Casas, La Boétie, Zamiatine, Gabrielle Wittkop, Heinrich Eduard Jacob, Fonollosa, Jean Meslier, Herder, Karl Kraus, Max Stirner, Gómez de la Serna, Robert Bringhurst, Robert Michaels, Sharon Olds, Stig Dagerman, Uzodinma Iweala, Hubert Selby Jr., etc. E assim conseguimos conquistar uma minoria absoluta, que nos sustentou nos 30 anos que agora celebramos festivamente.
Luís Oliveira

21 de junho de 2009

o
dia zangado ou 
porquê→?!
Tu, que te esgotas em banalidade, Tu que te regozijas com as boas estradas do teu país, Tu, que te esbanjas em sonhos estanques, Tu que não andas, Tu, febril das questiúnculas do Febril dos Mandamentos, velhaco arruaceiro do desastre da Arte, embrutecimento do verbo, verborreico vazio, gérmen estéril da Desgraçada Família, Tu o de vida depauperada, dessexuado das preces, realizado na cegueira, Tu, a das pernas fechadas para honrares o Pai e te desprezares a Ti, Tu o homofóbico, Tu, ó misógino, Tu que fazes mofa não vendo que te és escárnio em Si, Tu, que até haverias de gostar de levar no cu mas que teme-lo ainda perante a Moral talvez porque julgues que só expelir coisas dali é que é! Tu! por que insistes em desistir de Ti se até tens com que valer, por que foges para o sonho se a Realidade é o Sonho, Tu camaleão do potencial variegado, por que te surges só monocromo, por que te resumes a embarcação unirreme de movimento circular sobre o eixo paralítico de um círculo autotelicamente irrisório e tonto em águas estagnadas e paisagem em 360º de tontaria redonda e obtusa, por que te desfazes nisso e só andas pelo país a apreciar as sáfias rectas alcatroadas?, Tu que temes as curvas não-das-estradas, que sentes vertigens não-dos-sítios-altos, mas que és efectivamente mais alto que os sítios altos, mais sinuoso que todas as curvas de todas as estradas, que tens em Ti a profundidade do pélago, a voracidade do lobo, a sageza do ofídio, diz-me Tu então!, por que te desprezas em cordeiro cagado pelo carreiro fora?! E diz-me Tu, por que os deixas cagarem-se assim em inúteis caganitas pelo carreiro dos demais — diz-me porquê, diz-me Tu,
porquê→?!
anno 2007

10 de junho de 2009

Da Rejeição da Cegueira ou: Dali até Aqui

(old stuff)

Mora na infantilidade
Do seu ser grande.
Ser é-lhe uma futilidade,
Que da sua prisão nada se expande.

Não reconhece a vida.
Conhece-lhe só a confusão.
Sabe que a odeia (e lhe é querida),
E lhe vive o indizível, emotivo turbilhão.

«Raios! Livre é o ser invisível
Da inexistência ― nenhum!
Só esse é crível...
Porra pra esta merda, quero ser um!»

Mas um dia, ao crescer,
Veio a dizer em razão:

«Hei-de quando for grande
Ser luz do Sol
E iluminar o que escureci.»

26 de maio de 2009

Do amor...


Quero penetrar-te o ânus, 
Ouvir-nos ao tom gemebundo 
Do fogo que faz girar o mundo, 
Entre nossos sôfregos abanos. 

Quero pôr-to na boca, 
Sentir-ta assim cheia, 
Em tua língua de geleia, 
Qual fero animal em doce toca. 

Quero habitar-te a vagina, 
Que é como ter-te toda, 
Não apenas mera foda: 
Coisa bem mais dina.

anno 2005

22 de maio de 2009



E se depois 
E se depois O sangue ainda correr Corre atrás dele 
E se depois O fogo te perseguir Aquece-te nele
E se depois O desejo persistir Consome-te nele
E se depois O sangue ainda correr Corre atrás dele
E se depois

21 de maio de 2009

Para uma possível desmistificação...


«Sou de facto o Diabo», que faz o título deste blogue, foi recuperado de A Hora do Diabo de Fernando Pessoa, e auto-sugere-se, aqui, como metáfora de contradição ao Estabelecido. A Filosofia, a Literatura e a Arte farão os meios. No compromise still!



"...and come again!"
  

20 de maio de 2009

Os olhos

nunca se fecham porque, quando se fecham (como dizemos), ficam abertos atrás das pálpebras.

3 de maio de 2009

Sou de facto o Diabo

«Mas o senhor vira tudo do avesso...» «É o meu dever, minha senhora. Não sou, como disse Goethe, o espírito que nega, mas o espírito que contraria.»
F. Pessoa, A Hora do Diabo, Assírio & Alvim

27 de abril de 2009

The Ghost Song

Awake Shake dreams from your hair My pretty child, my sweet one. Choose the day and choose the sign of your day The day's divinity First thing you see. A vast radiant beach in a cool jeweled moon Couples naked race down by its quiet side And we laugh like soft, mad children Smug in the wooly cotton brains of infancy The music and voices are all around us. Choose they croon the Ancient Ones The time has come again Choose now, they croon Beneath the moon Beside an ancient lake Enter again the sweet forest Enter the hot dream Come with us Everything is broken up and dances.

26 de abril de 2009

Da luz umbrífera

O ser humano é um projeccionista. Está constantemente empenhado em projectar a luz da sua capacidade de análise sobre os outros e as coisas. O que ele ignora é que, a maior parte das vezes, muito possivelmente, a luz que faz incidir sobre determinado objecto cria novas sombras.

17 de abril de 2009

and the meaning of life is...

(autor desconhecido. anyone?)

imagina


estavas ao computador, a escrever um texto já avançado, suficientemente importante para ti. no 8.º andar onde moras, onde estarias nesse momento, avistavas da janela, devido a um enorme ruído que te despertara a atenção, uma enorme onda, duas vezes o teu prédio, varrendo, do rio, a cidade, vindo na tua direcção. o que fazias?
fazia Save

8 de abril de 2009

O Eu é o meu corpo e o meu espírito em conjunção.

É um jogo


Sinto que fica sempre algo por escrever.
Ao deitar
Não me dou conta de adormecer
E esqueço logo.
Ao acordar
Levanto-me de novo e de novo jogo.

Sou de facto o Diabo


«Sou, por mister, Mestre da Magia, não sei contudo o que ela é.»

F. Pessoa, A Hora do Diabo, Assírio & Alvim

2 de abril de 2009

Toma-me a mão e

leva-me aonde não está o medo.
Quero mudar para lá a realidade.