Sob céu hiemal
e pagão,
debaixo de chuva e gentio trovão,
fiz revisitar-me animal.
Ó Serra de quando te abraçava os troncos ásperos,
de quando dormia nos teus
numerosos seios,
de quando eras tu a tal —
«para sempre» —, mais ninguém.
Ah, como eu mudei e tu
continuas na mesma e eu
te amo na mesma por isso mesmo,
mesmo não sendo tu já a tal.
Ah, como tudo muda e tu
continuas na mesma e eu
te amo ainda
quando te revisito, hoje.
Mudei mas sou eu, Serra,
na mesma.
Mudar é acrescentar.
Obrigado
por guardares o que
em tempos fui. Faz com que o seja ainda.
Não serás nunca elemento passado,
mas sempre sim presente, como eu.
Estás em mim,
és-me a animalidade,
sua compreensiva aceitação.
Mostraste-me e ensinaste-me
pureza. Eu copiava-te.
Era feroz como tu,
como a chuva com que tanto me molhaste
e rias,
como o trovão com que amiúde me inflamaste
e dançavas, como o vento volante.
Eu era contente e não tinha medo,
envolto em todo o teu desafio natural. Cantava contigo. Lobo gentio dos teus montes, percorria-te.
Lambia-te a lua, tangia-te.
Adormentado nos teus mantos, sonhava-te. Lembro-me, sim... do teu
luar que me cobria quente. Como se fosse
o sol. Foste tão querida...
Não deixaste que ignorasse o que todos hoje
ignoram e temem —
o princípio do ser, que em ti principia.
Mas se até tu mudas,
Serra,
todos os anos...
E mudas precisamente
para tornares a ti, renovada,
que é seres outra que não a de antes,
ainda que assente,
basilarmente, em ti mesma.