2 de abril de 2009

Como te desejo.

Por seres assim em tanto. E eu desejo sempre demais. Na ondulação leve do mar... Nas tuas ancas balanceia todo o querer da vida, e tudo em mim oscila a acompanhar. O modo como correm ligeiras tuas pernas sobre o areal da praia ao sol como tu. Tudo... Quero o redondo que em tudo vinga. A redondez é o escopo da vida (mesmo que a não chegue a atingir). Se a rocha é sem arestas, foi porque a redondez da onda a arredondou. Quero a onda curva que circula, e o sol circular, e o céu abobadado, e o circunferente horizonte. Vontade. Quero-te. Rebolar.

31 de março de 2009

desenho 4

tiago r

23 de março de 2009

Poema

Marulho é o barulho do mar.
Barulho é o barulho do bar.

22 de março de 2009

Só poderia acreditar num deus que soubesse dançar.

Frederich Nietzsche, Assim Falava Zaratustra

21 de março de 2009

Dionysify This Night of Spring!

(taken from here)
(title quote taken from Solefald's In Hamonia Universali album)

20 de março de 2009

― Let me walk with you, sweetheart. I don't want no good to harm you.

Thank you, wolfy. We can't trust anything any more, can we?

I'm not sure, darling. But I hope so. Really do.

9 de março de 2009

Sou de facto o Diabo:


«O homem não difere do animal senão em saber que o não é. É a primeira luz, que não é mais que treva visível.»

F. Pessoa, A Hora do Diabo, Assírio & Alvim

Olho-te,

entrego-te aos sentidos, e vejo o amor a querer dar-se, querida entre teus ombros doces que sonho sentir-te com as mãos. Estás nos meus olhos, mesmo se te não olho. Ainda te não toquei com toque explícito, mas a minha ideia sabe já sentir-te como se. A minha ideia quer fazer-te próxima. Pensa em ti. O meu entender reconheceu-te. Quer trazer-te agora daí até aqui.

8 de março de 2009

Água das Pedras

Viu-se perante aquele ser e experimentou o azedo da ambivalência: linda, atraía-o; parva, repelia-o. O objecto do seu desejo multiplicara-lhe o desejo à dicotomia de um sim e de um não, qual haste una dividida em duas, e, como tal, deixou de o ser. Foi então que o seu não, acrescido em azia, o agarrou pela mão e o levou a tomar uma água das pedras. A beleza é efémera. Não pode perdurar como a personalidade.

2 de março de 2009

desenho 3

tiago r

Olho um objecto estranho.

Mas a estranheza do objecto sou eu.

(old stuff 4)

Vim desde ontem durante toda a vida até hoje. Parto só amanhã.

1 de março de 2009

Vi numa nuvem um sátiro correndo. Quero ser como tu...


A Serra...


Sob céu hiemal e pagão, debaixo de chuva e gentio trovão, fiz revisitar-me animal.

Ó Serra de quando te abraçava os troncos ásperos, de quando dormia nos teus numerosos seios, de quando eras tu a tal — «para sempre» —, mais ninguém. Ah, como eu mudei e tu continuas na mesma e eu te amo na mesma por isso mesmo, mesmo não sendo tu já a tal. Ah, como tudo muda e tu continuas na mesma e eu te amo ainda quando te revisito, hoje. Mudei mas sou eu, Serra, na mesma. Mudar é acrescentar. Obrigado por guardares o que em tempos fui. Faz com que o seja ainda. Não serás nunca elemento passado, mas sempre sim presente, como eu. Estás em mim, és-me a animalidade, sua compreensiva aceitação. Mostraste-me e ensinaste-me pureza. Eu copiava-te. Era feroz como tu, como a chuva com que tanto me molhaste e rias, como o trovão com que amiúde me inflamaste e dançavas, como o vento volante. Eu era contente e não tinha medo, envolto em todo o teu desafio natural. Cantava contigo. Lobo gentio dos teus montes, percorria-te. Lambia-te a lua, tangia-te. Adormentado nos teus mantos, sonhava-te. Lembro-me, sim... do teu luar que me cobria quente. Como se fosse o sol. Foste tão querida... Não deixaste que ignorasse o que todos hoje ignoram e temem — o princípio do ser, que em ti principia.

Mas se até tu mudas, Serra, todos os anos... E mudas precisamente para tornares a ti, renovada, que é seres outra que não a de antes, ainda que assente, basilarmente, em ti mesma.

16 de fevereiro de 2009

Quando eu era puto


Quando eu era puto, o meu desejo. Andava eu ainda na primária, terceira classe talvez. O meu desejo era ir para a escola montado num leão. Lá ia eu, na minha mente, ego sobre o dorso tamanho de amarelo esbatido, agarrado àquela juba áspera e sorrindo, entrando portão dentro como uma espécie de deus ex machina... É disto, a vida humana. De coisas que satisfaçam o ego. De coisas grandes, leoninamente, que nos permitam camuflar a nossa fragilidade. Ou não precisássemos nós tanto de ter pais, amores, amigos - todos leões que nos transportam no dorso tamanho e indispensável à satisfação e segurança do frágil Eu.
Ah... como por vezes detesto precisar de vós. Como me custa e dói a razão de vos amar.

Gota Demiúrgica


Vinha a andar e. Era noite tarda. Caiu-me uma gotícula no lábio e lambi-a. O céu estava a querer chover e disse-mo, ao ouvido da boca.

13 de fevereiro de 2009

Impressão Póstuma


Estávamos os dois num dia de sol. Era de tarde e. Estávamos sentados. Entráramos num café e sentáramo-nos. Estava muita luz. Fiquei virado para a ampla janela. Do outro lado da mesa, ela, de costas para lá, de frente para mim. Antes. Antes tínhamos vindo juntos de metro, não sei, ou encontrámo-nos ali, não me recordo. E entrámos no café, sentámo-nos. Era de um amarelo pálido, a luz que se difundia profusa. Quase não me deixava vê-la. Eu estava... A luz não me deixava ver. A luz confundia-me. A luz incomodava-me. A luz queria mostrar-me qualquer coisa mais...

9 de fevereiro de 2009

Vai e emV


Trepo à tua flor
Ao sol brilhante;
Límpido o ar que te envolve
E te forma as cores:
Voltarei sempre a encontrar
O cálido toque da Vida.

(old stuff 1)

em cuecas em cima da cama alentejana. depois acendo uma vela. dizem que atenua o cheiro do cigarro. a janela está aberta. a luz do candeeiro também. o caruncho insiste em roer o tecto de madeira de manhã à noite, desde a noite até de manhã. é noite. por volta das duas da manhã (embora seja de noite). os cães latem ao longe. também estes alentejanos. depois de reparar nisto tudo, escrevi isto tudo. antes de estar em cuecas em cima da cama alentejana, fui beber uns copos, petisquei, mergulhei, traduzi, vi um recém-nascido, conversei com a sua irmã de cinco aninhos e acordei. antes de acordar, dormi. Agora: vou parar de escrever (talvez), fumar um cigarro de outro fim de outra noite (embora alentejana), e vou-me deitar. dormirei. mas antes, ainda, enquanto fumo o cigarro, leio o poema ao lado[1]. esquerdo.
06-2003
[1] Leia-se «abaixo».

31 de janeiro de 2009

desenho 2

tiago r

26 de janeiro de 2009

PROJECÇÃO: ESTUPIDEZ


Eles viram-se. Já não se viam há anos. E correram um para o outro a gritar Aaaaaah e saltaram e abraçaram-se. Abraçaram-se fortemente, em várias investidas até, na tentativa de se abraçarem melhor, isto é, com mais força. E à medida que o faziam iam dando pequenas pancadas com os braços nas costas um do outro, ainda na insistente tentativa de recuperação de abraço após abraço, ao mesmo tempo que ganiam no cio do reencontro. E as pancadinhas passaram a pancadas, aumentando-lhes sempre mais a potência, pelo que passaram a grandes pancadas, fortes, fortes! — e eram já murros. Murríssimos! Matavam-se, matavam-se naquele abraço ébrio, no apreço estúpido de quando se é estúpido. Um já lhe ia aos rins, murros nos rins do amigo, enquanto o outro lhe dava amplexos brutos na cabeça e socos no pescoço. Surgiram murros no estômago. Fodiam-se todos um ao outro mas sem nunca serem infiéis ao abraço que davam. Joelhadas. Murro nos queixos: um bocado de língua voa até à gravilha que libertava um pó esbranquiçado ao sabor da violenta amizade que se estava descomprimidamente a processar. Entretanto, na bulha completa, ambos sacam de uma faca afiada e espetam-na cada um no pescoço do outro, ao mesmo tempo. Largam-se e agarram-se à lesa novidade. Caem. E morrem. Felizes de morrer.

Depois o pó assentou.

24 de janeiro de 2009

Da Amizade


tu és esta terra toda
e circular,
em que eu ando e caminho,
em que eu me deito,
em que eu vivo e existo.
és como a extensão de mim.
como o Céu o é da Terra,
o Universo o é da Vida
e Deus o é do Homem.
do mesmo modo que
eu
o sou
de ti.

ser

sou só o que sou e o que vou sendo. nunca um fim. quando eu morrer, hei-de continuar, noutras mentes, entre outros átomos.

22 de janeiro de 2009

Sou de facto o Diabo


«As minha melhores criações ― o luar e a ironia.»
«Não são coisas muito parecidas...»
«Não, porque eu não sou parecido comigo mesmo. Esse vício é a minha virtude. É por isso que sou o Diabo.»

F. Pessoa, A Hora do Diabo, Assírio & Alvim

21 de janeiro de 2009

desenho 1

tiago r

19 de janeiro de 2009

Da dor como processo para o Melhoramento

A dor sobe do estômago de volta à boca. Rumino-a demoradamente. Amo-te. Palavra precisa e boa. Preciso. Onde estão os dias dionisíacos que a imaginação tanto parece prometer? Poderia dizer É irónica. Mas, na verdade, ironia é haver realidade. Rumino-a impacientemente. E tu nem me ouves. Amo-te. Porque é ainda em silêncio que to digo. Não tardará: hei-de abrir a voz e o alívio.

Ânsia

A ânsia é uma planta carnívora.
Em sendo regada,
Devorar-nos-á.

16 de janeiro de 2009

?

Sinto-me cansado e concluo que só pode dever-se a uma coisa: ao peso dos óculos sobre as orelhas e a cana do nariz.

Escrever.

Escrever é a minha forma de não explodir.

3 de janeiro de 2009

Sou de facto o Diabo


«Dato do princípio do mundo, e desde então tenho sido sempre um ironista. Ora, como deve saber, todos os ironistas são inofensivos, excepto se querem usar da ironia para insinuar qualquer verdade. Ora eu nunca pretendi dizer a verdade a ninguém ― em parte porque de nada serve, e em parte porque a não conheço. Meu irmão mais velho, Deus todo poderoso, creio que também a não sabe. Isso, porém, são questões de família.»

F. Pessoa, A Hora do Diabo, Assírio & Alvim